segunda-feira, 31 de outubro de 2011

E se ao invés do ex-operário fosse o ex-sociólogo?

Assim que vi alguns comentários que começaram a circular na internet (principalmente pelo Facebook) em relação ao câncer de Lula recentemente noticiado pela imprensa, me veio à mente a seguinte pergunta: como seria a reação das pessoas se ao invés do ex-presidente operário fosse o ex-presidente sociólogo a vítima do câncer?
Eu não cheguei a ver diretamente manifestações explícitas de felicidade ou ironia em relação ao estado de saúde de Lula, mas apenas comentários sobre tais reações através de alguns blogs e colunas. Entretanto, vi várias mensagens carregadas de sarcasmo e ironia e até mesmo campanhas pedindo que Lula se trate no SUS, sob o argumento de que se é isso que ele ofereceu ao povo é isso o que ele também deve usufruir, calcado numa espécie de revanchismo. Mais do que isso, baseia-se na ideia de que se Lula se diz como alguém do povo então deve agir como tal. E, se o povo só tem como opção de saúde o atendimento do SUS, Lula, sendo uma pessoa do povo, deveria também se tratar pelo serviço público de saúde.
Foi aí que me veio a questão acima mencionada. E se fosse o ex-presidente Fernando Henrique que estivesse com câncer? Ou mesmo qualquer outro político de um alto cargo saído das grandes universidades ou diplomados.  Será que tantas pessoas levantariam a sua voz pedindo que esta pessoa se tratasse pelo SUS e não em um hospital particular?
Com certeza não. Não me lembro à época do câncer do ex-governador Mário Covas de qualquer comentário em relação a isso. Toda esta reação inflamada contra o ex-presidente Lula mostra mais uma vez o quanto alguns setores sociais não engoliram a história de um operário chegar ao posto de presidente. Mais do que isso, evidencia a ideia equivocada que o brasileiro tem de que tudo que é "público" é sinônimo de "feito para pobre". Sendo Lula alguém que surgiu entre os mais pobres, ele deveria como tal ir se tratar no SUS. Que outro lugar melhor para o pobre ir tratar da saúde?
Acho que é mais do que justo que Lula se trate em um grande hospital se tem recursos para isso. E, mesmo que não tivesse, tenho absoluta certeza de que não faltariam pessoas dispostas a pagarem os melhores tratamentos possíveis a ele, visto o grande respeito e admiração que tem a comunidade internacional pelo ex-presidente. Admiração esta que nos remonta a um outro equívoco do brasileiro de nunca valorizar aquilo que o país tem de bom. Precisa sempre alguém de fora apontar uma qualidade que temos. Ainda assim, no caso de Lula, o rancor por um operário conquistar o que conquistou é tanto que, nem mesmo com grandes personalidades internacionais demonstrando toda a sua admiração por Lula, alguns brasileiros conseguem enxergar, independente de todos os erros que Lula possa ter cometido em sua carreira política, a grandeza de sua trajetória política e o quão simbólica foi a chegada de um ex-operário ao poder. 
Torço muito para que o ex-presidente vença este câncer com os melhores tratamentos que possa usufruir. Torço também para que ao invés das pessoas fazerem campanhas para que Lula se trate pelo SUS, perpetuando assim esse imaginário de que tudo o que é "público" é necessariamente de má qualidade, que pensem em novas formas de pressionar o governo a melhorar o serviço de saúde pública, pois assim como obrigar os políticos a matricularem seus filhos na escola pública não resolve os problemas da educação, Lula se tratar pelo SUS também não resolve os problemas da saúde pública.
Esta é uma solução muito simplista e revanchista. E se seguíssemos essa lógica, todos nós deveríamos deixar as soluções individuais em prol das soluções coletivas trocando, por exemplo, nossos convênios particulares pelo SUS, as escolas particulares pelas públicas, o carro pelo "busão" e assim por diante. Não acho que ninguém deva fazer isso. Este é só um modo de mostrar que esse tipo de "solução" que se coloca é simplista demais e não resolve os problemas históricos que temos em relação aos serviços públicos de modo geral. Serve apenas para demonstrar o imenso rancor de uma parte da sociedade que não admite até hoje um não-diplomado governando uma nação. 
É triste ver como as pessoas confundem as coisas.